domingo, 18 de maio de 2014

Fazendo fantasia: redes educativas no barracão de ala

Fazendo fantasia: redes educativas no barracão de ala
André Luiz Porfiro[1]
 Grupo de Pesquisa Ilè Obà Òyó – ProPEd – UERJ

            Nossa implicação neste texto está relacionada com o estudo da construção da fantasia de carnaval, um dos principais artefatos simbólicos dos desfiles de Escolas de Samba. Pretendemos apontar relações desses saberesfazeres com a herança africana e afro-brasileira de maneira a inseri-los nos/dos cotidianos da escola, de acordo com a lei 10.639/2003.
            O processo de criação e construção de uma fantasia carnavalesca se inicia com a elaboração do figurino. Com o figurino pronto começa a materialização da fantasia. As equipes de ferragem, escultura, adereços e costura são convocadas para transpor o desenho do figurino para a escala tridimensional. Cria-se o protótipo: um modelo original da fantasia.
            O ciclo do trabalho carnavalesco do presidente de Ala começa com o recebimento do protótipo. É o presidente de ala que elabora, contrata, compra os materiais, supervisiona, coordena e colabora na confecção da fantasia. Cria a logística de venda e da entrega da fantasia aos componentes. Sua função exige a participação na vida social e comunitária da Escola. O presidente de Ala é presença constante na escolha do samba, nos ensaios técnicos, nas feijoadas, fazem parte da comunidade da escola de samba.

Imagem 1- Presidentes de Ala do GRES Beija-Flor de Nilópolis na escolha do samba-enredo de 2013

            Pensar educação no século XXI é abrir campos amplos para reflexão. Com a popularização dos meios tecnocientíficos, formas de transmissão e construção de saberesfazeres aprendidos nas práticas laborais manuais são colocadas de lado em função da primazia da técnica e da especialização.
Para Alves e Oliveira:
“Ao tornar a ciência galileo-newtoniana o único paradigma aceitável como legitimador das idéias e dos trabalhos sobre a verdade, optou-se por privilegiar os elementos controláveis e quantificáveis da realidade, criando a idéia de que os demais não eram relevantes. (...) Baniram do mundo das idéias os aspectos singulares e qualitativos do real[2]”.
  
            Nilda Alves afirma que vivemos todos e aprendemos todos no dentrofora das escolas, a formação se dá em múltiplos contextos. Os muros das escolas são criações imaginárias. Em suas palavras: “O que é aprendidoensinado nas tantas redes de conhecimentos e significações em que vivemos entra em todos os contextos, porque encarnado em nós[3]”.

 Imagem 2 - Barracão de Ala - local de confecção da fantasia de carnaval
           
            Pesquisar a construção das fantasias de carnaval estabelece, como propõe Certeau (1994), uma espécie de “teoria das práticas”, mas, também, uma “prática das teorias”em redes que se entrelaçam neste ambiente, nos espaçostempos das pesquisas nos/dos/com os cotidianos (Alves, 2008).
            Entendemos que nossa proposta está concatenada com a concepção de Raymond Williams (2007), que a cultura está impregnada da produção histórica, material e simbólica da sociedade e suas lutas. Cultura, para este autor, é todo modo de vida com seus significados comuns, bem como os processos de descoberta e criatividade nas artes e na aprendizagem. 
            O presidente de Ala, tal qual uma equede[4], nos Barracões das religiões afro-brasileiras, tem seu papel escondido no ritual do desfile, mas sua atuação é extremamente importante. No desfile, contribui com a harmonia da escola, recepciona e cuida dos desfilantes, tanto da comunidade local, quanto da comunidade global. É o elo do privado com o público no encontro dos diferentes, para reverenciar Momo e se congraçar com a festa. É o presidente de ala que constrói, no caso do carnaval brasileiro, o instrumento básico para atingir o ambiente comunitário [que] é o uso de fantasias (DA MATTA, 1973, p.32; BASTIDE, 1997, p.237).
             Os componentes vestidos com suas fantasias entram em um estado que não é real e nem irreal: é mágico. Foram iniciados e durante o desfile fazem parte daquela comunidade. A epifania e a ancestralidade congraçam e estabelecem as identidades, mesmo voláteis, dos desfilantes.  
      Imagem 3- Desfile do GRES Beija-Flor de Nilópolis,  ano de 2012

            O desfile de uma Escola de Samba termina após a passagem por uma linha demarcatória, em frente aos setores 12 e 13 das arquibancadas. Daí em diante, está o espaço da dispersão, local anterior ao portão de saída do Sambódromo.
            Após o portão, muitos desfilantes pousam ali a sua fantasia. Outros desfilantes levam consigo a fantasia, no afã de que possam retornar para o Desfile das Campeãs[5]. As fantasias deixadas, como em oferenda, pelos desfilantes no portão de saída do Sambódromo, no desfile oficial[6], são recebidas por pessoas que querem levar um pedaço do grande espetáculo, materializado ali pela fantasia, para casa e assim, também, tornarem-se parte.

REFERÊNCIAS

Bibliografia:                                                          

ALVES, Nilda, LIBÂNEO, José Carlos (orgs), Temas de Pedagogia diálogos entre didática e currículo, São Paulo, Cortez Editora, 2012
ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês B. de (Org.). Pesquisa nos/dos/com os cotidianos das escolas. 3. ed. Petrópolis: DP. 2008.
______________________________ A compreensão de políticas nas pesquisas com os cotidianos: para além dos processos de regulação. In: Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 31, n. 113, p. 1195-1212, out.-dez. 2010
BASTIDE, Roger. O sagrado selvagem e outros ensaios. São Paulo, Cia. das Letras, 2006.
BLASS, Leila Maria da Silva. Desfile na avenida, trabalho na escola de samba: a dupla face do carnaval. São Paulo, Annablume, 2007.
BRASIL, Congresso Nacional. Lei 10.639/2003, Brasília, 2003.
CAPUTO, Stela Guedes. Educação nos Terreiros e como a escola se relaciona com as crianças no candomblé. Rio de Janeiro, Pallas, 2012.
CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Carnaval Carioca: Dos bastidores ao desfile, Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 4ª. Ed., 2008.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano – artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
DA MATTA, Roberto. O Carnaval como Rito de Passagem, In: Ensaios de Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro, Vozes, 1977.
__________________. Carnavais, Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro, Rocco, 1997.
FARIAS, Edson. O Desfile e a Cidade – o carnaval espetáculo carioca. Rio de Janeiro, E-Papers, 2006.
______________. Espaço e lembranças na economia simbólica urbana: o “retorno” da áfrica carioca. In: TOMO, Revista do Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais/Universidade Federal de Sergipe, nº 16, São Cristóvão, NPPCS/UFS, 2010.
VIVEIROS DE CASTRO, Maria Laura. Barracão de escola e “Barracão de Ala”: breve estudo dos bastidores do carnaval.  Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Pró-Memória/SPHAN, Rio de Janeiro n. 20, 1984, p.175.
WILLIAMS, Raymond. Cultura e sociedade. Petrópolis: Vozes, 2011.

Imagens:
Imagem 1- Presidentes de Ala do GRES Beija-Flor de Nilópolis na escolha do samba-enredo de 2013-
Acervo do autor.
Imagem 2- Barracão de Ala - local de confecção da fantasia de carnaval -Acervo do autor.
Imagem 3- Desfile do GRES Beija-Flor de Nilópolis,  ano de 2012 - Acervo do autor.







[1] André Luiz Porfiro é doutorando do Programa de Pos-Graduação em Educação (ProPED) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
[2] ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês B. de (Org.). Pesquisa nos/dos/com os cotidianos das escolas. 3. ed. Petrópolis: DP. 2008, p.84.
[3]  ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês B. de. A compreensão de políticas nas pesquisas com os cotidianos: para além dos processos de regulação. In: Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 31, n. 113,  out.-dez. 2010, p. 1197.

[4] Equede é a responsável pela segurança física e conforto das pessoas manifestadas no barracão e nos quartos dos orixás
[5] Desfile das Campeãs é o desfile que ocorre no primeiro sábado, após os dias oficiais de carnaval
[6] Desfile Oficial é o desfile do Grupo Especial das Escolas de Samba do Rio de Janeiro que ocorre no domingo e na segunda-feira de carnaval